
Radiografia das máfias do narcotráfico que semeiam o terror no Equador

Disputas mortais e alianças frágeis. Uma explosão de quadrilhas com nomes curiosos compõe o novo mapa do crime no Equador, um país encurralado pelas máfias e diante do desafio de eleger um presidente capaz de contê-las.
Os Freddy Krueger causam pesadelos nas ruas, os sofisticados Peaky Blinders disputam o controle do golfo de Guayaquil e El Cuartel de la Feas controla as prisões. Estas organizações criminosas se somam aos já famosos Choneros, Lobos e Tiguerones.
A própria violência muda de nome de tempos em tempos devido a uma atomização dos grupos armados e a uma combinação perfeita que abriu passagem para a guerra: portos estratégicos para a saída da droga, a vizinhança com Peru e Colômbia - os maiores produtores de cocaína -, uma economia dolarizada e instituições corruptas.
A população fica no meio do fogo cruzado. Uma comerciante vítima de extorsão lembra do dia em que uma bomba explodiu em seu restaurante em Guayaquil, capital econômica e do crime do país. "Diziam que eram da máfia, pediam 15.000 dólares [R$ 89.000] para não nos matar", conta à AFP esta mulher, que pediu para manter sua identidade em sigilo.
Os tentáculos das organizações não respeitam fronteiras. Atuam na costa do Pacífico com o apoio de cartéis do México e da Colômbia, assim como da máfia albanesa. Em seguida, cruzam a cordilheira dos Andes até cidades como Quito, Ambato e a mineira Ponce Enríquez (sul do Equador), segundo especialistas.
A segurança está no centro das campanhas presidenciais às vésperas do segundo turno das eleições, no domingo, quando o presidente Daniel Noboa, que se denomina de centro esquerda, vai enfrentar a candidata esquerdista Luisa González.
- Sem chefões -
Em janeiro e fevereiro, o Equador registrou um morto por hora, segundo dados do Ministério do Interior. Foi o começo de ano mais sangrento desde que começaram os registros.
"A guerra é por território. Não há mais lideranças conhecidas como antes, cada um quer sua independência", assinala, sob sigilo, o líder de uma quadrilha.
Esta fragmentação dificulta a contenção das quadrilhas pelas autoridades.
"Vemos uma associação de grupos pequenos e menos rígidos. Isto já aconteceu na Colômbia nos anos 1990 após a morte de Pablo Escobar", explica a especialista em segurança Carla Álvarez.
As hierarquias começaram a se romper em 2018, quando uma das maiores organizações rachou. A morte, em 2020, do líder dos Choneros, Jorge Luis Zambrano, conhecido como Rasquiña, agravou as disputas.
Em Quito, Marianela sofre ameaças e tentativas de extorsão pelo WhatsApp. "Eu as bloqueio", diz, sob sigilo, esta funcionária de um restaurante.
A angústia tomou conta de Martha Bucaram, um bairro conturbado da capital, onde policiais e militares costumam realizar operações em busca de armas e drogas.
"Virando a esquina houve uns dois mortos" durante um tiroteio. Assim que tiros são ouvidos, os comércios fecham.
- Quadrilhas especializadas -
Dos 1.300 bairros de Quito, cerca de 100 são considerados conflituosos.
Para as máfias, a cidade é "um mercado de consumo de drogas, como ocorre em diferentes capitais latino-americanas", explica Carolina Andrade, secretária de Segurança municipal.
Encravada nos Andes, Quito também é considerada "um espaço seguro para vir se esconder", pois não tem o mesmo controle policial ou militar do litoral.
Renato Rivera, do Observatório Equatoriano do Crime Organizado, explica que os grupos têm certas especialidades. El Cuartel de las Feas, por exemplo, opera nos presídios com extorsões e microtráfico.
Esta quadrilha gerou confrontos entre os detentos por alimentação. O preso que não pagava a "vacuna" (extorsão), não comia, comenta.
E no porto de Guayaquil, os Peaky Blinders, Choneros e Tiguerones disputam as rotas da droga, às vezes camuflada em contêineres de bananas ou camarões.
- Fusões -
Em Quito, pequenas gangues tentam entrar em "organizações maiores para ter maior presença, maior legitimidade e maior controle" territorial, assinala Andrade.
No topo da pirâmide criminosa da capital estão os Lobos e os Latin Kings.
As máfias "foram ganhando espaço, é complexo combatê-las", admite o comandante da polícia de Guayaquil, Pablo Dávila.
"O barulho dos tiros não nos deixam dormir", diz a líder de um bairro pobre de Guayaquil, onde em uma única tarde foram mortas 22 pessoas.
O presidente Daniel Noboa adotou uma política de linha-dura contra as quadrilhas, que conseguiu baixar a taxa de homicídios de 47 por 100.000 habitantes em 2023 para 38 por 100.000 em 2024.
Apesar da queda, o centro de estudos Insight Crime sustenta que esta última taxa é a mais alta da América Latina e "mascarou" um ano de violência persistente. "A intervenção militar obrigou os grupos criminosos a se transformarem para não desaparecer", assinalou.
E.Robert--PS